quinta-feira, 28 de maio de 2015

Mais uns ritos de passagem PARTE 3

Leia sobre a parte 1 nesse link

Após passar 4 horas sem me mexer ou beber água, tomei o primeiro copo e  vieram falar comigo sobre o estado do Dudu.  
Fiz um esforço tremendo para me levantar da cama (lembrando que a cesariana corta umas 8 camadas do nosso corpo e depois tudo é suturado), tomar banho e ir na cadeira de rodas até a unidade neonatal da Maternidade.Foi uma caminhada dolorosa física e psicologicamente ir até ao bercinho onde estava meu filho, respirando em um C-PAP e tomando leite através de uma sonda orogástrica.
Um C-PAP neonatal funciona mais ou menos assim. Tirei a imagem desse site aqui


Sabem a culpa materna? Então, imaginem ela aumentando cada vez que vinha um pediatra ou enfermeiro me lembrar de que eu era diabética e que filhos de mães diabéticas apresentavam a síndrome de angústia respiratória que o Dudu tinha.  A culpa não diminuía, muito menos quando vinha uma enfermeira me falar do aleitamento materno. Eu, que sempre defendi amamentar em livre demanda e o desmame tardio, me vi sem leite. Sem leite e sem motivação pra tirar leite. Mais um plano por água abaixo e mais uma coisa da qual eu me sentiria culpada.

Para melhorar, uma pessoa bem próxima à família se aproveitou do fato de eu estar operada numa cama para dizer que todo aquele sofrimento era oriundo do fato do noivorido e eu estarmos "vivendo em blasfêmia" (sic). Imagina só meu bom-humor, né. Só consegui ouvir, calada, com medo de magoar.

Chegou a um ponto que eu não queria mais ver o Dudu, para não me inundar de culpa. Foi preciso minha mãe dar um chega pra lá em uma profissional e contar que eu não precisava ouvir toda hora aquilo, porque na minha cabeça eu estava esquematizando que a culpa era toda minha, não importasse o fato de que infelizmente acontecem essas intercorrências.

E haja intercorrência. Enquanto eu ainda estava internada, Dudu teve uma sepse precoce, precisando ser entubado e ir para a UTI, no isolamento. Tive alta do hospital, fui para casa e ele ainda lá, sendo cuidado pelos anjos carnais e espirituais.
Era basicamente assim que Dudu estava entubado. Foto tirada desse site aqui

Não possuo fotos do Dudu entubado porque foi um período extremamente doloroso. Ir para casa, então, foi muito difícil. Acho que todas as mães de UTI sabem a dor de ver todo mundo saindo com seu filho no colo e você ir para a casa de braços vazios.
Assim que chego em casa, me deparo com um bilhete que minha mãe fez e colocou na porta do quarto. Chorei assim que li.
Bilhete que minha mãe fez e colocou na porta do meu quarto no dia em que recebi alta do hospital. Mantenho ele pregado na porta até hoje
Se eu já era religiosa, acabei virando, nas palavras da minha mãe, uma beata - em pleno Carnaval, olha a ironia. Fiz muitas promessas, dentre elas a de incluir Jorge em seu nome.Foi aí que Dudu foi registrado Eduardo Jorge, não por causa do político, mas em homenagem e promessa a São Jorge, o Santo Guerreiro.


No dia 21 de fevereiro, 8 dias após o nascimento do meu guerreirinho, fui à UTI e ele estava apenas no capacete de oxigênio. Foi quando, após a permissão das enfermeiras, pude pegar meu filho no colo pela primeira vez.Comecei a crer que ele realmente melhoraria. 
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Primeira vez no colo, nós dois nesse amor <3


Tentei até dar de mamar a ele, mas ele não pegou o peito e chorava muito, um choro rouco de quem passou uma semana entubado. No domingo, 22, voltando de casa para a Maternidade, encontro a pediatra que cuidou do Dudu quando ele nasceu e ela estava com cara de preocupação. Pergunto o que ocorreu e ela diz que, enquanto eu tinha ido em casa tomar banho e tirar os pontos, Dudu teve uma convulsão e uma parada respiratória. Da UCI, ele voltou para a UTI, o tubo e mais medicação. Além da sonda orogástrica, ele tinha outra na uretra, para medir com precisão o volume de urina que ele excretava.
Ah, as medicações....Se eu já era bem ligada à Medicina, aprendi ainda mais sobre os esquemas, as bombas de infusão, os anticonvulsivos, antibióticos e sedativos aos quais submetiam meu filho.A rotina de, a cada três horas, pegar um êmbolo de seringa e a fórmula para administrar o leite. 

Na UTI eu dava leite quando ia, trocava fralda (pesava-as antes de colocar e depois, para subtrair e ter o peso do cocô dele anotadinho), cantava para ele....
Gostava muito de conversar com os fisioterapeutas, que me acalmavam quando o nível de saturação dele caía. Houve uma vez em que ele se extubou acidentalmente e o fisioterapeuta teve de reanimá-lo na minha frente e na do noivorido... Mais um susto no qual tive de manter a aparência de controle e depois desabei no carro, a caminho de casa.

Mantive certos rituais obsessivos durante a estadia do Dudu na UTI-UCI. Se eu estivesse em casa, lia relatos de sucesso de bebês prematuros, principalmente do site Prematuridade.com. Após o banho, eu tinha que passar o desodorante 4 vezes em cada braço, borrifar perfume 5 vezes e, quando chegasse na UTI, tinha de abrir a torneira, apertar o dispenser de sabonete 2 vezes, lavar as mãos, puxar o papel-toalha 3 vezes, fechar a torneira e apertar o dispenser de álcool em gel 2 vezes. Esses rituais foram necessários para que eu não perdesse a minha calma e eu acreditava que, fazendo isso, evitaria que mais coisas ruins acontecessem com meu filho.

No final de fevereiro, após uns 10 dias na UTI e uns 5 de tubo,cheguei lá e vi meu Dudu num C-PAP. Todo dia, a partir daí, me despedia dele dizendo "Mamãe vai, mas deixa o coração dela aqui, meu amor. Não deixe de nos surpreender pro bem. Vamos combinar de você continuar no C-PAP ou , melhor ainda, em um capacete de oxigênio!". O noivorido ia pela manhã e eu pela tarde e só saía de noite. Eu procurava demorar ao máximo, pois não sabia quando seria a próxima vez que veria o Dudu. 

Desmame de oxigênio sendo feito aos poucos (e após muita oração a São Jorge, Nossa Senhora e Dr. Bezerra de Menezes), Dudu volta à UCI, no capacete de oxigênio. Lembro da enfermeira que fez a transferência dos leitos dizer "não aceitamos devolução, hein", comemorando comigo. Enquanto isso, minha recuperação da cirurgia melhorava a cada dia, permitindo que eu ficasse mais tempo com ele, dando colo e cuidando, quase como mãe e filho normais. A cada colo mais prolongado, menor a necessidade do tubinho de oxigênio acoplado ao capacete.
Meu amorzinho no seu capacete, com bem pouco oxigênio porque os pulmões estavam tinindo <3

Na manhã do dia 2 de março, decidi ir à Maternidade bem cedo. Minha mãe e meu noivorido chiaram, mas eu estava decidida a ficar o dia todo com o nenei, ter um gostinho da maternidade.
Algo me dizia.
Quando foi umas onze da manhã, ouço a pediatra de plantão perguntar por mim.
-Mãezinha, liga pro seu marido lhe buscar daqui a pouco que hoje mesmo o Eduardo vai receber alta da UCI e vocês vão para a Enfermaria Coruja.

A felicidade era tanta que nem me descabelei muito quando o noivorido demorou porque era época da enchente história do Rio Acre e havia apenas uma ponte trafegando todos os automóveis da cidade. 
Tomei banho, arrumei as malas -minhas e do Dudu-, com aquela música lymdra do Pablo na cabeça, hahahaha. 

E, após 17 longos dias, foi cantando "estou indo embora/ a mala já está lá fora" que Dudu e eu demos tchau às tias da UTI-UCI e fomos para a Enfermaria Coruja, o estágio que faltava para a tão sonhada alta hospitalar.

Continua...



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